quinta-feira, 7 de maio de 2015

Poema em Linha Reta

Olá universitários, tudo bem?

Hoje, especificamente, estaremos abordando um tema bem interessante: A visão negativa do mundo do Heterônimo de Fernando Pessoa chamado Álvaro de Campos.

O tema é abordado em nosso artigo científico – trabalho de APS coordenado pela Professora e Doutora Lígia Menna-  baseado na análise e interpretação do Poema em Linha Reta. Um dia postaremos aqui para todos conferirem!


Poema em Linha Reta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

(PESSOA.FERNANDO, Obra Poética, Cia. José Aguilar Editora - Rio de Janeiro, 1972, pág. 418).

               O poema, acima descrito, foi feito por um heterônimo de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, tratando de sua angústia por parte da hipocrisia de sua sociedade.
           Um pouco que se pode dizer sobre a biografia de Álvaro escrita por Fernando Pessoa, é que teve “uma educação vulgar em Liceu”, além de mais tarde ter estudado tanto Engenharia Naval como Mecânica. Seu primeiro trabalho como poeta foi “Opiário” em uma breve viagem ao Oriente Médio. 
             Campos passou por três fases poéticas: o decadentismo, que consiste em uma falta de sentido para a vida; o futurismo, que aderia sensação para tudo, sendo que havia uma grande exaltação da tecnologia e da civilização moderna; e o negativismo, sendo uma fase mais intimista e ao mesmo tempo incompreensão e angústia existencial.
              O “Poema em Linha Reta” faz parte dessa última fase. É possível observar que sua linguagem também se põe para dar uma sensação ao leitor. Uso de repetições, dando uma sensação de cansaço e monotonia, além de aliterações e assonâncias que remetem ao peso da dor que sente. Não ignorando, claro, seu léxico cheio de palavras densas e agressivas. 
                 Com uma vertente mais pessimista que o autor tem por base no poema, nota-se o seu desprezo pela sociedade em que vive, não compreendendo como podem aceitar tanta hipocrisia, vivendo uma vida de aparências.
                  Por que não trazer esse contexto do poema para nossa cultura atual? Na década de 70, Raul Seixas passou por mesmas sensações que Álvaro de Campos ao compor sua canção “Ouro de Tolo”. Abaixo um trecho da música para comparação:

Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros
Por mês
(...)
Ah!
Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro
Jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco
É você olhar no espelho
Se sentir
Um grandessíssimo idiota
Saber que é humano
Ridículo, limitado
Que só usa dez por cento
De sua cabeça animal
E você ainda acredita
Que é um doutor
Padre ou policial
Que está contribuindo
Com sua parte
Para o nosso belo
Quadro social
Eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar
Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador.

(SEIXAS. RAUL, Ouro de Tolo. Intérprete: Raul Seixas. In: Novo Millennium. Raul Seixas. São Paulo: CD 1998. Faixa 13).

                Percebe-se que tanto Seixas como Campos tem uma visão negativa da realidade do mundo vivido por eles. Mesmo após grandes conquistas, há um vazio dentro deles que não se preenche. Uma angústia existencial de estar em um lugar, porém não fazer parte dele.
           Conclui-se que Álvaro de Campos possui uma visão crítica e ao mesmo tempo cética e pessimista sobre a sociedade. Por ter um conhecimento da natureza humana, tem um grande problema em aceitar o motivo pelo qual as pessoas conseguem viver por aparências e não expressar seus erros e pecados, mostrando-se como “príncipes” e “semideuses”. Como compreender que não há humanos no planeta.

“Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?”

Por Paulo Henrique Oliveira & Bruna Lopez


Referências

E-biografias. Disponível em: <http://www.e-biografias.net/fernando_pessoa/> Acesso em 02 de maio de 2015.


Educação. Globo.com. Disponível em: <http://educacao.globo.com/literatura/assunto/autores/fernando-pessoa.html> Acesso em 02 de maio de 2015.



Felipe Araújo, Poema em linha reta (Fernando Pessoa). Disponível em: <http://www.infoescola.com/literatura/poema-em-linha-reta-fernando-pessoa/> Acesso em 02 de maio de 2015.

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